sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

PASTEL

PASTÉIS

I - Introdução

Pastel é iguaria das mais comuns e ordinárias que já se pôs na Terra. Mas não me consta que alguma alma lírica já lhe tenha louvado em verso ou prosa, nem se encontra nas resenhas gastronômicas referências ao seu inconfundível sabor.

Todavia, a despeito do retumbante silêncio da mídia, o pastel vem democraticamente se expandindo, firmando-se como alimento consumido e apreciado por todos os estamentos sociais.

Centro, periferia, shopping centers, dia a dia multiplica-se o acesso ao pastel. Não seria o momento dos grandes veículos de comunicação finalmente prestarem o tributo que lhe é devido?

Este blog, consciente do fenômeno de resistência representado por este injustiçado alimento não vai compactuar com a omissão imperante na mídia. Vamos sim discutir seu sabor, textura e apresentação. Apreciadores do pastel no mundo, uni-vos!

II – O pastel de qualidade

O ponto fulcral para a feitura de um bom pastel é a massa. Como nunca me foram revelados os segredos da culinária não faço a mínima idéia de como alcançá-la. O que sei é que a massa tem que ser leve, delicada. Igualmente imprescindível é a crocância do pastel. Quanto mais barulho a mordida produzir, melhor. O cuidado no preparo também se revela na aparência do pastel. Os sequinhos são sempre preferíveis aos oleosos.

Enfim, se o pastel adequa-se a estas características, ele pode ser tido como de qualidade e conseguintemente o seu consumo está liberado pelo blog.

III – Pastelarias

1 – Quina do Futuro

Pastel de excelente qualidade. Consumo liberado pelo blog. O único defeito encontrado foi uma leve oleosidade na massa, facilmente evitável com um pouco de atenção.
O destaque fica com o pastel de carne com queijo. O tempero da carne e sua consistência úmida servem para distingui-lo dos demais pastéis de carne.
Outro mérito é a presença de Xingu no cardápio, o qual conta ainda com outras cervejas, inclusive estrangeiras.
Atendimento de primeira e ambiente agradável. Vale a pena conferir.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Bar do Neno - Casa Forte - Recife - PE

PRIMEIRO CONTO

Dia desses, noite enluarada de terça-feira, fomos a um desses barezinhos pitorescos que pululam em nossa querida Casa Forte. É o tipo de lugar pacato em que se reúnem morosos casais de meia idade ou colegas de trabalho para um happy hour. Tudo indiscutivelmente regado a chope da mais alta qualidade. E por essas bandas, vos afirmo, não há melhor lugar para a arte de compartilhar um chopinho. Quanta espuma! E tem ainda as comidinhas: frituras, queijinho derretido, alho crocante. Que pecado! Estávamos em uma Sodoma da gula...
Nessa noite, em uma mesa de canto, como de costume ás terças-feiras, um grupo de chorinho suspirava melodias antigas. Podíamos notar que muitos dos clientes ao redor já eram cativos aquele dia da semana, tal a familiaridade com a qual se portavam naquele ambiente lúdico e tão carregado pelos sussurros dos fantasmas de Pixinguinha e Noel Rosa.
Esse, contudo, não parecia ser o caso da família acomodada à mesa a nossa frente. Como chegaram até ali não saberíamos dizer, mesmo porque a princípio eles não nos causaram qualquer comoção. Todavia, depois do segundo chope, aquela família passou a adquirir uma certa cor diante de nossas inquietas retinas. E pouco a pouco, gole a gole, tornavam-se mais interessantes. Tão interessantes que do terceiro chope em diante somente posso dizer que estávamos perdidos: consumidos e apiedados de suas vidas.
Oscar Wilde dizia no século passado que os homens se casam por cansaço, as mulheres por curiosidade e que ambos ficam decepcionados. Nunca tal assertiva nos pareceu tão atual...
Mas não adiantemos em demasia a narrativa. Vamos por partes.
A família era composta por pai, mãe, filho e filha adolescentes, além do irremediável candidato a genro. Mais tarde, relembrando suas tristes figuras, não pude deixar de questionar porque, distraídos, tínhamos levado tanto tempo para percebê-los. De fato, bastava um olhar mais cuidadoso para suas vidas precipitarem-se, trôpegas e ideléveis, sobre nós.
O pai era um tipo adiposo de bochechas fartas e coradas, cabelo e barba grisalhos e olhos apertados. Em princípio, ao contrário dos demais, parecia absorto na mais pura e inocente felicidade desse mundo. Podia-se ver que adorava canções de chorinho e quando tocava alguma mais conhecida suas bochechas ficavam ainda mais vermelhas e seus olhos mais apertados.
Sabe-se lá a quanto tempo planejava ir aquele bar com a família!
Tudo nos pareceu claro de repente. Contar-vos-ei.
Há um mês atrás fora a terrível enchaqueca que acometera sua esposa. Não podia sequer abrir os olhos – pobre mulher! Somente sarou quando durante a novela das oito Reinaldo Gianechini tirou a roupa em determinada cena. Inexplicavelmente, entretanto, a doença voltou ainda mais aterradora no momento em que se recolheu à alcova. Duas semanas depois o empecilho fora avassaladora discussão da filha com o namorado ao telefone. Ninguém esperava que criatura tão frágil pudesse vociferar daquela forma. Seria difícil catalogar os palavrões berrados. A maioria ele sequer conhecia. Infelizmente alguns dias depois tudo se resolvera e o namoro seguia inabalável como uma rocha. Por fim, na semana anterior , justamente na noite de terça-feira, teve a triste surpresa de descobrir na memória do computador, em lugar do projeto em que vinha trabalhando incansavelmente a semanas, mais um desses jogos sanguinários que deleitam os adolescentes perturbados. Após minucioso inquérito o filho foi julgado culpado e passou o fim de semana de castigo.
Diante dessa sinuosa odisséia não se podia recriminar o pobre homem por aquela alegria infantil. Finalmente tinha conseguido reunir a família e somente ele sabia como fora difícil fazê-lo, especialmente no que tange aos filhos, amostragens perfeitas da adolescência: seres esquisitos, catatônicos e ocos, permanentemente alternando entre o alerta laranja e vermelho da insuportabilidade, tal como alterna o perigo de ataques terroristas aos Estados Unidos no governo Bush.
É bem verdade que a filha trouxera de brinde o chatíssimo namorado engomadinho, mas o homem estava decidido a fazer com que nada lhe perturbasse naquela noite. Tentou então docilmente entabular uma conversa qualquer.
Música, cinema, política, a piada do português, tudo em vão. Por mais que se esforçasse o papo parecia não engrenar, salvo pelo persistente genro que se esforçava o mais que podia para impressionar o sogro. Passara a tarde decorando a Barsa, o que ficou claro quando citou a penosa situação do povo do Urzberquistão após o desmembramento da extinta União Soviética. Quanto aos demais, creio que sequer ouviam o que se falava. Suas palavras escapavam docemente como frágeis bolhas de sabão e perdiam-se no ar.
Pouco a pouco, timidamente, a alegria fugia daqueles olhinhos apertados. De súbito, olhando ao redor com mais atenção compreendeu tudo.
A esposa, ao seu lado, muda como uma porta, fazia exatamente o que havia feito nos últimos dezenove anos: nada. Estática como um pau olhava para o infinito. Sabia-se lá se pensava na novela, no supermercado ou nos braços musculosos do porteiro do prédio! O filho, como sempre, acompanhara-os porque estava com fome. Alheio a tudo devorava coxinhas e kibes árabes. A filha, por sua vez, não conseguia disfarçar a irritação. A cada cinco minutos reiterava o pedido para irem embora dali o quanto antes. Como havia notado que a tática não lhe rendia frutos, passou a reclamar de cólicas lancinantes e já arquitetava fingir um desmaio.
O homem então foi tomado pela mais absoluta tristeza. Da família não podia esperar nada. Sobrava-lhe apenas a dignidade. Resignou-se. Olhou o copo de chope com a espuma farta que lhe coroava e murmurou baixinho: “Da próxima vez seremos só nós dois...”